[Desenho de arquitetura de uma nau de transporte de escravos] Grav. Anon.Negres a fond de calle. Des. Rugendas, Del. Deroi, Lit. de Engelmann. In.: RUGENDAS, Johann Moritz. Voyage pittoresque dans le Brésil. Paris: Engelmann, 1835. Tradução de: Das merkwurdigste aus der malerischen reise in Brasilien. Division 4e., Planche 1.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

ANTÓNIO MANUEL HESPANHA

1° CICLO DE PERGUNTAS AOS HISTORIADORES
Outubro de 2008




ANTÓNIO MANUEL HESPANHA

Nasceu na cidade de Coimbra, Portugal em 1945. Professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Investigador Honorário do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Membro dos Conselhos Científicos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (Portugal), Maison des Sciences de l’Homme. Director do CEDIS, Centro de Estudos sobre Direito em Sociedade, da FD-UNL e ex-membro estrangeiro eleito do Conseil National pour la Recherche Scientifique (França). Ex-Comissário Geral para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses. Membro do Instituto Histórico-Geográfico do Rio de Janeiro. Grande Oficial da Ordem de Santiago. Premio Universidade de Coimbra, 2005 (ex-aequo com Luis Miguel Cintra).

Obras:

A História do Direito na História Social, 1977;
História das Instituições. Épocas medieval e moderna, 1982; Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime (pref. e seleção de textos), 1984; Poder e Instituições no Antigo Regime (Guia de Estudo), 1992; Lei, Justiça, Litigiosidade. História e prospectiva, 1993;
La gracia del derecho, 1993; As Vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político (Portugal, séc. XVIII), 1994 (ed. cast. 1989);
História de Portugal moderno. Político-institucional, 1995 (ed. brasileira, 2006);
Cultura Jurídica Europeia. Síntese de um milénio, Europa-América, 1996 (ed. ital. Bologna, Il Mulino, 2000; ed. cast. Madrid, Taurus, 2002; ed. brasileira, Florianópolis, Fund. Boiteux, FD-UFSC, 2005);
Panorama da História Institucional e Jurídica de Macau, Macau, 1995; Há 500 anos. Três anos de comemorações dos descobrimentos portugueses, 1999;
O orientalismo em Portugal. Catálogo da exposição (guião, comissariado científico e texto introdutório), 2000;
O Milénio português (sec. XVII), 2001;
Feelings of justice in the Chinese community of Macao (coord. e autor), 2003;
História militar de Portugal, vol. II (Época moderna) (coord.), 2004); Guiando a mão invisível Direito, Estado e lei no liberalismo monárquico português, 2004 (ed. cast. adaptada em preparação);
O caleidoscópio do direito. O direito e a justiça no mundo dos nossos dias, Coimbra, Almedina, 2007;
O caleidoscópio do Antigo Regime (Brazilian edition, Editora Alameda, São Paulo [em edição]).
Translator of Franz Wieacker, John Gilissen, A. Kaufmann e W. Hassemer, Horst Dippel, van Caenegem. Coord. (em colab. com Cristina Nogueira da Silva) do Projecto “Arquivos Digitais da História do Direito Português” (digitalização de toda a literatura jurídica [direitos constitucional, administrativo, penal, financeiro e fiscal, civil, eclesiástico] académica portuguesa do séc. XIX; em realização).
Outros dados pessoais, artigos e textos estão disponíveis no site: http://www.hespanha.net/ .

Curriculm Vitae: http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/cv/amh_CV_127_00%202006%20CV%20Síntese%20(portugues).doc



1. CPH - Como o senhor vê a contribuição dos historiadores portugueses para o desenvolvimento da atual historiografia brasileira?

AMH: A historiografia brasileira de há muito que adquiriu um grau de sofisticação que igualou ou mesmo francamente ultrapassou a portuguesa, em muitos domínios. Isto tem a ver, nomeadamente com questões de massa crítica, pois o número de historiadores brasileiros é muitíssimo superior ao dos portugueses. Mas também com uma tendência muito positiva para a utilização de modelos teóricos explícitos e reflectidos, que ultrapassem o positivismo e o narrativismo ingénuo., bem como com uma notável abertura à historiografia estrangeira, paradoxalmente com algum défice em relação à historiografia latino americana, frequentemente recebida através de uma mediação desnecessária da norte americana. É neste contexto que tem que ser avaliada a influência da historiografia portuguesa. Como não podia deixar de ser, ela é sensível para o período colonial. Menos para o séc. XIX e XX, onde poderia ter também um papel útil, dada a permanência das semelhanças de perfil entre as duas histórias. A historiografia portuguesa não é tão rica que constitua um ponto necessário de referência. Mas pode exercer uma influência benéfica em dois pontos, pelo menos. Por um lado, trata de arranjos culturais, sociais e institucionais que foram matrizes muito importantes para os arranjos brasileiros e que, na sua forma mais canónica, se estudam melhor em Portugal do que no Brasil. O seu conhecimento pode atenuar um tópico corrente no Brasil – e que prejudica mais do que ajuda – e que é a fixação na “especificidade brasileira”. Na verdade, o que há frequentemente na sociedade brasileira do passado são variações próprias de um modelo mais cosmopolita; e esse modelo é o da Europa do Sul de então e, muito especialmente, o modelo social e mental português, que é francamente reconhecível nas instituições, nas formas mentais, na arquitectura religiosa (e mesmo na civil e popular), no trato social. Menos, na organização económica e nos aspectos muito ligados a factores mesológicos. Sem preconceitos pós-coloniais e descontando o tom nacionalista e “imperial” da historiografia portuguesa mais antiquada, ler os historiadores portugueses bons pode ser muito esclarecedor.


2. CPH - Como o senhor descreveria sua contribuição pessoal para a historiografia portuguesa?

AMH: A minha contribuição pessoal insere-se no que acabo de dizer. Creio que tenho sido útil ao chamara a atenção para as raízes que a história institucional e jurídica brasileira tem nos arranjos que, nesses domínios, vigoravam em Portugal, desde a idade média. Mas, por outro lado, tenho reagido contra um certo amesquinhamento que alguma historiografia brasileira faz em relação à autonomia e capacidade criativa local, ao brasileirismo, como se tudo fosse comandado pela metrópole e a colónia fosse uma entidade amorfa e totalmente expropriada de vida institucional e política própria. Como todas as fontes locais testemunham a autonomia da vida periférica em relação ao centro – tal e qual como acontecia no próprio pequeno Portugal – tenho pensado se este discurso obsessivo de um obsessivo estatuto “colonial” não resulta de um prolongamento anacrónico de uma historiografia que continua a celebrar a independência, enredada em também anacrónicos sentimentos “anti-colonialistas”. Durante muito tempo, Portugal também conheceu essa doença nacionalista, ao estudar as suas relações históricas com a Espanha, no período filipino.



3. CPH - Até os anos 1980, a historiografia brasileira focalizou o período colonial pelo discurso de uma sociedade enquanto transplante deformado da matriz européia, ou sua versão perversa, com os contornos definidos no interior do absolutismo português. Pelo viés de uma posição inferior e desordenada dentro do modelo da exploração colonial. Com que perspectiva o senhor encara as mudanças da historiografia brasileira?

AMH: A mudança não tem sido toda ela de idêntico perfil ... felizmente. Há quem tenha aceite considerar a hipótese de uma matriz fundamentalmente europeia, embora dotada de um forte dinamismo próprio; há quem tenha continuado a insistir na especificidade brasileira, no “modelo escravista” ou no “miserabilismo colonial” e há quem procure explorar vias intermédias. Acho que o ponto ainda mais obscuro é o do balanço efectivo, factual, sectorial, regional, e empiricamente embasado, do papel estruturante do escravidão. Há muito literatura recente a recomendar uma leitura mais diversificada e com mais cambiantes deste fenómeno. Por outro lado, há que não transformar os colonos em colonizados, expulsando da história os nativos (e escravos), que, esses, sim, eram os verdadeiros colonizados ...



4. CPH - Na sua opinião, quais são os principais debates que tem mobilizado os pesquisadores do Antigo Regime?

AMH: Um deles é o que acabo de referir. A matriz da sociedade de Antigo Regime pode ser utilmente aplicada a uma sociedade “tropical”, como o Brasil ? Eu creio que sim, desde que inteligentemente e com o sentido da plasticidade das formas civilizacionais. Também me parece interessante valorizar plenamente a ideia de pluralidade de poderes e de linhas de conflito na sociedade pré-revolucionária , procurando que as oposições tradicionais – portugueses (?)-brasileiros(?), livres-escravos, não ocultem a riqueza do imenso jogo de conflitos sociais – regionais, de género, de estrato social, corporativos, religiosos (dentro do catolicismo), de bandos locais. Também a historiografia portuguesa já descobriu finalmente que, mesmo durante a monarquia dual, a oposição português-espanhol era pouco significativa. E, no entanto, tinha havido a tendência para fazer girar em volta dela todo o conflito e agitação na primeira metade do séc. XVII.



5. CPH - O senhor entende que no antigo regime governar é julgar?

AMH: Esse era o modo como até ao séc. XVIII se viam as coisas, no domínio do poder. E, de facto – com excepção da lata política -, o modo como o poder central podia chegar às periferias era por meio dos tribunais, já que praticamente não existiam extensões permanentes da administração. Outra coisa é saber se os tribunais se acomodavam aos padrões de julgamento do direito oficial. Creio que não. O Estado administrativo, como o conhecemos hoje, é uma criação tardia, dos finais do séc. XVIII e, depois, do séc. XIX.. Por outro lado, num contexto social em que vários poderes coexistiam, os conflitos – quando não se resolviam à paulada ... – tinham que ser resolvidos judicialmente, pois faltava um efectivo poder superior e omni-regulador.

6. CPH - A tradição política do antigo regime em Portugal era assentada pelo caráter jurisdicional e corporativo. E no Brasil colonial que tinha sua economia forjada na mão-de-obra escrava, toda essa flexibilidade jurídica era o principal elemento da solidariedade das “famílias” que ocupavam o poder?

AMH: Tendo a crer que sim. A sociedade brasileira parece-me obedecer a um modelo de Antigo Regime, com um poder doméstico hipertrofiado pela enorme dimensão das comunidades domésticas nas zonas de engenhos e fazendas e com zonas de poder muito pouco estruturado – do tipo do “poder de fronteira” –, nas zonas mais periféricas. Nas regiões de mineração, com recurso massivo a trabalho escravo pouco integrado nas unidades domésticas, aí estaria o pólo em que o modelo escravista desempenha uma função estruturante mais forte.



7.CPH- Como o senhor definiria as relações entre o poder à cultura e a religião no Antigo Regime?

AMH: Segundo um modelo de indiferenciação. Como ensinou N. Luhmann, a diferenciação respectiva (Ausdifferenzierung) destas várias esferas é um fenómeno da modernidade. Antes, os diversos planos estavam encavalitados e condicionados mutuamente.



Idealização:
Carlos Eduardo de Medeiros Gama
Leni Ferreira Theodoro










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